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Shakespeare, INSS e amor


As crises econômicas brasileiras, por diferentes motivos, sempre foram meio desacreditadas pela população que, em cada uma delas, trabalhou duro, criou oportunidades e continuou vivendo o dia a dia. Embora a atual crise esteja, desta vez, realmente preocupando e fazendo muita gente ficar em casa, fui ao teatro assistir “Rei Lear”, dirigido por Elias Andreato. O espetáculo me perturbou.

Tanto que perdi o sono em responsáveis conjecturas sobre a vida. Seria a crise assombrando além do limite? Ainda não. O que provocou novas reflexões está no direito de viver a vida e, ao perceber que o seu final está chegando, realmente deixar de trabalhar e curtir, ao máximo, o que ainda pode restar de tempo útil.

Para que entendam minha inquietude, a trama da peça gira em torno de suposta sábia decisão de um rei em se aposentar para ser feliz. Pois é, ele acreditou ser possível. E abdicou ao trono, passando às três filhas e aos genros tudo o que possuía.

Estabeleceu, no entanto, uma condição. Viveria o resto de seus anos, aproveitando os prazeres possíveis com um séquito de 100 homens armados para proteger-lhe e residindo parte do tempo, proporcionalmente, na casa de cada uma das filhas. Receberia, assim, sua justa pensão.


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De cara, o rei se indispôs com a filha caçula, até então a preferida, que foi sincera ao ouvir a decisão da aposentadoria real. Ele não percebeu o alerta... Revoltado, tirou-a da partilha dividindo o reino em apenas duas partes. Tudo resolvido, dias depois partiu com seu séquito (que incluía um sábio “bobo da corte”) para a casa da primeira filha. E aí, como acontece com qualquer um de nós, seus problemas com a previdência começaram...

Mesmo animados pelos programas de motivação criados para a Terceira Idade, essa que alguns ironicamente chamam de “Melhor Idade”, todos sabemos que ficar velho não é fácil. Muito mais em um País, como o nosso, que não respeita quase nada. Ainda menos os idosos que causam trabalho e despesa aos que, esquecendo o passado, acham que eles em nada contribuíram para ter um tratamento digno na velhice.

Nas minhas inquietantes constatações geradas pelo texto de Shakespeare, atual aos 410 anos nessa desafiadora tradução e adaptação para monólogo do poeta Geraldo Carneiro, também está a discussão entre Congresso e Governo Federal quanto à sobrevivência de um já moribundo INSS. Quem, como muitos de nós, pagou durante 30 anos suas contribuições mensais sobre até 20 salários mínimos, agora não recebe sequer cinco deles. E o futuro se desenha ainda pior.

Embora começo de tudo, por fim vem o amor. Um sentimento tão nobre, que nos envolve e motiva. Mas, a cada dia, é menos praticado do que aparece no falso discurso de algumas famílias e políticos.

Os asilos públicos para a velhice, como as cadeias e penitenciárias, estão superlotados. Os privados se tornaram grandes negócios sob o sarcástico letreiro: “Casa de Repouso”. Na verdade, são cemitérios de sonhos, tristes depósitos de frustrações, ansiedades e medos.

Velhos, idosos, tiozinhos, seja lá o nome que lhes derem, assim como pretendeu o rei Lear bem interpretado por Juca de Oliveira aos 80 anos, não querem um forçado melancólico “repouso”. Querem merecer respeito e amor para finalmente, sem tanta responsabilidade com a felicidade dos outros — o que foi a razão de ser de suas longas existências —, ainda alcançar mais algumas alegrias se aposentando do trabalho, não da vida.

*Ricardo Viveiros, 65, jornalista e escritor, é autor de 33 livros, entre os quais “A vila que descobriu o Brasil” (Geração Editorial) e “Todo mundo disse que não ia dar certo” (Jardim dos Livros) e presidente da empresa de Comunicação Ricardo Viveiros & Associados.



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